O que pode ser o #ProtestoBR? post#1


Toda sexta-feira, até o final de setembro, o Labic/UFES e o Medialab/UFRJ publicarão um resumo de artigos completos sobre os protestos no Brasil. Tais artigos serão apresentados, detalhadamente, em evento no dia 13 de Outubro, quando os protestos comemorarão quatro meses.

 

900 mil tweets publicados em língua portuguesa, entre os dias 15 de junho a 09 de julho. Essa massa de informação está sob análise do Labic Ufes.

900 mil tweets publicados em língua portuguesa, entre os dias 15 de junho a 09 de julho. Essa massa de informação está sob análise do Labic Ufes.

por Fábio Malini

Em 1999, quando 300 mil pessoas ocuparam a cidade de Seattle para protestar contra a política macroeconômica do FMI, Banco Mundial e G8, uma novidade na organização dos movimentos sociais emergia: o swarmming. Era o chamado enxameamento social. Sem liderança, mas com inúmeros porta-vozes e coordenadores, os ativistas se reuniam em pequenos grupos pela cidade norte-americana. Em algumas vias, 100 pessoas sentavam na faixa de pedestre e interrompiam o fluxo da cidade. Em paralelo, bloqueavam o acesso em outras ruas através de ações radicais, cuja imagem mais eloquente era a quebradeira dos vidros das lojas McDonald’s (símbolo da exploração global). Nos grandes confrontos com as forças policiais, ficava visível o forte aparato tecnológico dos militantes, que “upavam” para a internet os conteúdos multimídia da violência policial, que chocavam o mundo.

A inteligência de enxame, com coordenação distribuída e policentrada, se tornava, a partir daquele momento, o modus operandi de se fazer protesto e ações radicais. A resistência estava em todos os lugares e em nenhum ao mesmo tempo.

Hoje, com o #protestoBR e o #protestoEs, a sociedade civil atinge o grau mais maduro da política de enxameamento em tempo real. Esse fato mostra-se visível quando as forças policiais – planejada para atacar o “inimigo” e seus líderes – se preparam para o conflito com uma massa de gente, enquanto centenas de pequenos grupos, em rede, fazem ações de desobediência civil e atos radicais de depredação, saques e tumultos. De um lado, a Polícia hierarquizada. De outro, os movimentos distribuídos. Resultado: os setores policiais entram em tela azul, como se diz na gíria adolescente quando o sistema operacional trava em um computador. Acostumados a identificar líderes e hierarquias, a “guerra urbana”, agora, tem uma multiplicidade de abelhas que atacam de tudo quanto é lado. E com uma capacidade enorme de se dissipar e de sumir rapidamente.

Os protestos no Brasil não aconteceram do nada. Demonstravam-se, no país inteiro, micro revoltas locais e fortemente conectadas. Nosso #protestoBR advém de outros – com forte visibilidade nas redes sociais – como: Pinheirinho, Belo Monte, Anti-Feliciano, Contra o aumento da tarifa, a questão indígena dos guarani-kaiovás, a revolta contra pactos políticos espúrios (PTxMaluf, PSDBXDEM, Marina Silva X Capitalistas ambientais, por exemplo) e o mega compartilhamento de internautas contra o mensalão e a favor de alguns réus. Todos sabíamos, mas não havia coordenação dessas lutas em rede. Agora toda luta local é nacional. E vice-versa. E em rede. E agora é possível deduzir que há um slogan político que ecoa dessas lutas:  “por uma vida sem catraca”.

Mudou também a maneira de estarmos no protesto. Agora é preciso estar na rua e nas redes. Posso citar a postura do deputado Jean Wyllis perante aos manifestos. Ele esteve atento a conversação na rede, através de seus canais no Twitter e Facebook, tendo o cuidado de desqualificar (sobretudo alguns setores midiáticos) aqueles que tentavam associar os manifestantes apenas ao rótulo de sujeitos raivosos, agressivos e criminosos. Ele teve uma atuação de qualificação da causa política, esteve presente acompanhando todo o protesto, observando atentamente o fluxo daquilo que era noticiado por ativistas na rua e pela imprensa online. Essa deve ser uma postura adotada cada vez mais por determinados políticos, claro, por aqueles que possuem abertura para estar nas redes e nas ruas.

As redes, antes de serem técnicas, são sociais. Para que elas tenham alguma importância é preciso que elas se adensem, ou seja, que tenham uma intensidade grande de relações e virem uma “estrutura”. Como no Brasil a internet se popularizou incrivelmente nos últimos anos, é comum que as pessoas façam a chamada “política dos perfis”. O que é um perfil na internet? É um modo de ser sujeito. Um modo cujo principal valor é de ser atraído (ser seguido) e atrair (seguir) perspectivas de pensamento, que é sempre mutante. O perfil faz com que as ideias se movimentem. O perfil possui a timeline como habitat. Ele é constantemente influenciado pelo “próximo”, para usar a metáfora religiosa. Quando muitos se articulam em torno de uma causa pública de rua, o efeito é similar a de viver em um “pequeno mundo”. Parece que todos se conhecem, que estão lado a lado, horizontais, em uma luta comum, mesmo que geograficamente estejam isolados. É importante notar que, em situações políticas nas quais vivemos, a emoção é irradiada pelo “estar nas ruas”. E isso, em tempo real, na rede, gera um processo incrível de espalhamento da comoção, que alimenta ainda mais a rua, criando uma feedback intenso da rede com a rua. A emoção sai das ruas, ao vivo de um telefone celular, para entrar nas timelines dos perfis de redes sociais, que espalham e mencionam esse conteúdo, afetando milhares de outros nós, que se encorajam a estar nas ruas e, ocupando-as, sobem e vazam material para rede e, assim, a comoção vai se compartilhando, e a ação de rua ganhamusculatura política. Um protesto no Rio comove São Paulo, que comove Vitória, que comove Belo Horizonte, que comove Manaus e assim sucessivamente.

Se em 1992 pintar e mostrar o rosto era um modo de ser visto, hoje há um fenômeno distinto: o de anonimizar o rosto com a máscara de Guy Fawkes ou vestir a toca ninja. Isso acontece porque há uma geração inteira que passou a ser anônima para distintos poderes (executivo, legislativo e judiciário). E cobram uma radicalização democrática em torno da universalização dos direitos públicos, do direito à cidade. As redes sociais nunca serão monolíticas, elas dependem dos movimentos dos perfis, que vão disputando os sentidos desse e dos próximos movimentos. Mas, de qualquer modo, vivemos um estado de alta participação social, que, pelo menos, já fez mudar nossa mentalidade política. Agora, vamos acompanhar e construir as cenas do próximo post.

Próximo post: A genealogia dos protestos no Brasil. 

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