Com quem Casagrande fala? Libere o ping-pong, por favor.

7 de julho de 2013

por Fabio Malini


O setor empresarial e entidades sérias querem discutir o Estado e
estão preocupados com a quebra de contrato por causa do efeito sobre a atração de investimentos, de investidores. (Renato Casagrande)

“A informação é apenas a condição mínima para a transmissão das palavras de ordem, as notícias querem nos dizer o que é necessário pensar, reter, esperar, operam por redundância” (Gilles Deleuze e Feliz Guattari)

 

Fábio Malini

Um exemplo de como entrevistar e não criticar.

Um exemplo de como entrevistar e não criticar.

Sou leitor do jornal A Gazeta. Acordei e li a matéria “Precisamos respeitar a Constituição e as leis”, publicada em A Gazeta, neste  domingo (hoje), com foto do governador com o dedão apontando para os leitores. A matéria é um “primor” de edição. E os seus conteúdos, em determinado momento, provocam aquela gargalhada crítica, típica do leitor que não é bobo. Vou usar dos meus conhecimentos limitados no estudo da linguagem/discurso jornalístico para fazer o que a geração do governador Casagrande adorava nos anos 80: a “leitura crítica da mídia”.

O título: “Precisamos respeitar a Constituição e as leis”. No jornalismo, o título pode expressa vários tipos de intenções. Nesse caso, optou-se pelo tipo “pronunciativo”. Quando o jornal e o entrevistado se projetam um no outro. E os discursos viram um só. O jornal faz isso, por exemplo, quando titula: “Os royalties são nossos!!!”. O título “Precisamos respeitar a Constituição e as leis” é uma maneira do jornal se posicionar através das aspas do entrevistado. E o entrevistado dar o seu principal recado. Mas por qual motivo esse título? Simples: se as manifestações querem o fim do pedágio, o governo, não. Há um contrato, e este deve ser respeitado, porque existem Leis e a Constituição. Faltou o governador dizer que a Constituição obriga o governo do estado a ofertar ensino médio para os jovens do Estado. E o Espírito Santo está entre os piores estados nesse quesito. E amarga uma geração enorme com grau de escolaridade vergonhoso e evadida da escola. São tantas obrigações exigidas pela Constituição não cumpridas pelo governo do Estado que o título tem tudo para se virar contra o governador . Não adianta o governo dizer que fará auditoria no contrato da Rodosol. Adianta é que essa auditoria tenha participação popular. E, nesse caso, não tem. Tudo fica na mão da classe política que sobrevive destes contratos nebulosos. Como a multidão tira foto de matérias bizarras dos jornais para criticá-las, o governo só dá mais combustível aos manifestantes nas redes sociais. E o sentido do “constitucional” que o governador quer denotar perderá rapidamente seu significado quando as pessoas começarem a fazer “respeitar a lei e a constituição é …” etc etc etc. Aguarde.

O subtítulo. Governador Casagrande fala do projeto da Concessão da Rodosol. O verbo “falar” DIZ tudo. O jornal opta por um verbo que denota um ato locutório. Sem crítica. Faz o papel de garoto de recado. O verbo “falar” é uma praga nos péssimos textos jornalísticos. Afinal, jornalista não serve para reproduzir a fala de ninguém, mas para controlar suas fontes.

A abertura do texto. É o único texto onde há a presença da repórter Claudia Feliz. O que ela faz é optar pelo texto alarmista. “o governador Renato Casagrande alerta sobre os riscos que a medida representa”. Ela continua e faz um contorcionismo grotesco na sua redação jornalística. Vejam:

Casagrande lembra que “qualquer decisão irresponsável pode provocar um desembolso por parte do governo, que é bancado pelo povo, com pagamento de tributos”.

Onde está a ginástica textual? Claudia subverte a regra do discurso indireto. Discurso indireto é o seguinte exemplo: “O jogador Casagrande diz que ama a Rodosol”. Na frase, quem narra vê de longe, analisa, intepreta um conjunto de falas e destaca apenas o principal sentido delas, no caso, o amor. Em contrapartida, existe na língua portuguesa o discurso direto, que seria assim:  “Eu amo a Rodosol”, diz o atacante Casagrande. Nesse caso, o narrador cria um efeito de verdade, privilegiando o depoimento do personagem (o atacante), assumindo a fala entre aspas como algo forte, verdadeiro.”Tudo se passa como se o leitor estivesse ouvindo literalmente a fala do personagem em contato com eles” (Platão & Fiorin).  O que fez Cláudia? abriu aspas depois do lembra que. Transformou o discurso indireto em direto: botou elementos emocionais onde deveria existir só a crítica, o lugar do repórter) Ao fazer isso , no texto, reforçou a posição emocional do governador e, num ato falho linguístico, toma a fala do outro como a fala do narrador, que deveria ver de longe, mas assume o discurso direto do personagem. Deixa seu posto de analista, para ser coadjuvante do discurso de verdade do governador. Aí é o discurso do dinheiro, da grana, do capital, querendo ser protagonista.

Os tópicos e as respostas do governador– o jornal faz um truque de discurso visual no restante do texto. Não faz a entrevista com perguntas e respostas (o chamado ping-pong). Opta por apresentar as respostas associadas a tópicos com sentido amplo (pedágio, identificação) onde há polêmica, e mais afirmativo “custo de todos”, quando quer reforçar o recado do governador. Repare, em um dos trechos, que o editor opta por titular a resposta do governador sobre a interrupção da votação na Ales apenas com o substantivo “Assembleia”. Usa de um eufemismo (uma maneira linguística de reduzir o significado de determinado fato ou coisa). No lugar de criar um tópico do tipo “Pedido de Vistas de Gildevan”, o jornal optou por Assembleia. Além desses eufemismo, vemos a exclusão das perguntas jornalísticas, que significa também a exclusão da possibilidade de crítica, de questionamento dos atos do governador. É uma técnica que omite a presença do jornalista e do jornal com a desculpa de “estamos sendo didáticos organizando a página de jornal em pequenos textos para o leitor ler no detalhe”. No fundo é um operação textual para entrevista ficar mais favorável ao governador, um mega relise, uma comunicação do governo, sem crítica, sem presença da repórter.

Assembleia (grifo nosso)
O projeto do decreto legislativo que pode inviabilizar a concessão foi para o plenário da Assembleia, e os deputados, de forma abrupta, fizeram uma votação em regime de urgência. O pedido de vista do deputado Gildevan permite que os parlamentares possam refletir, que a sociedade debata o tema. Permite avaliações dos aspectos constitucionais e legais. A autonomia de tomar a decisão é da Assembleia, mas tenho plena convicção de que colocando todos os dados para reflexão e tendo muito equilíbrio e responsabilidade que ela tomará a decisão madura, como tem tomado em outros assuntos. A gente precisa sempre discutir o interesse público com responsabilidade, com equilíbrio.

A Foto – O governador apontando o dedo para o leitor. É um governador que afirma uma convicção e “sinaliza” um alerta. Curiosamente lembra a mesma imagem fatídica que virou meme nos últimos dias, que mostra a truculência de um policial nas ruas. Podem conferir.

Remix do frame de vídeo publicado pelo Labic que se transformou em viral na rede.

Remix do frame de vídeo publicado pelo Labic que se transformou em viral na rede.

Cada jornal tem o princípio editorial que bem entender. Faz parte de sua liberdade. Não tenho nada contra a isso. Mas, como eu sou leitor do jornal, não queria ficar passivo na minha leitura silenciosa. E espero que o jornal A Gazeta libere o ping-pong, por favor.

Não quis fazer a análise do conteúdo, porque a passagem  que critica Chávez, Kirchnner e Evo não deve ser levado à sério, né? Populismo não é nacionalizar o setor de gás na Bolívia, é entregá-lo a pequenos grupos monopolísticos. Faça-me o favor.

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