Monitoramento mostra redes semântica e de atores de resposta do Twitter ao voto de Rosa Weber

27 de setembro de 2023

por Luara Gagliardi


Este fim de semana, a equipe LABIC continuou os testes de coleta de dados do Twitter após o fechamento da API pela plataforma. Desta vez, o objeto de estudo foi a reação acompanhada na plataforma ao voto da ministra Rosa Weber, do STF, pela descriminalização do aborto. O objetivo da análise foi mapear os principais grupos que participam desse debate, os atores que compõem tais grupos e as principais narrativas difundidas.

Os dois grafos que serão analisados a seguir foram produzidos por nosso laboratório. No primeiro, vemos os perfis que publicaram as mensagens geradoras do maior volume de conversação. O cálculo é feito com base nas interações/replies gerados pelos tweets com mais comentários entre as mais de cinco mil postagens originais.

Um fato que merece ser ressaltado é que, dentre os dez tweets mais comentados durante o período analisado (dias 22 e 23 de Setembro de 2023, que apresentaram maior volume de publicações acerca do acontecimento), oito eram originários de perfis jornalísticos e informativos (OGloboPolitica, JornalOGlobo, brasil247, BlogdoNoblat, GloboNews, SigaGazetaBR).

É importante notar que o maior engajamento não se apresentou nas páginas de entretenimento ou memes, e sim nos posts que entregavam a própria notícia do voto da ministra, nos quais se acumulavam os comentários de usuários que queriam deixar registradas suas opiniões. Em tamanho menor, têm-se formadores de opinião e até outros veículos noticiosos que participaram do debate com menos protagonismo.

Já no grafo abaixo, vemos as redes semânticas que permeiam a discussão:

À esquerda, o cluster rosa claro traz para a questão do aborto termos gerais relacionados ao imaginário coletivo que envolve a gravidez, trazendo termos que expressam opinião, como “inocentes”, “direito” e “matar”, mas também termos neutros como “vida”, “saúde” e “filhos”, o que pode explicar seu tamanho expandido em relação aos outros agrupamentos.

Na parte superior, os clusters laranja e azul apresentam termos de culpabilização feminina. O azul traz tal tema em termos como “assassina”, “lixo”, “vergonha” ou “inferno” , que podem ser diretamente atrelados à mulher que interrompe a gravidez e que, neste contexto, é vista como uma assassina de inocentes.

O cluster laranja vai além, sugerindo a culpabilização da mulher também pela exploração de sua sexualidade, ao atrelar o aborto ao (não) uso de contraceptivos quando, em verdade, o único contraceptivo 100% seguro é a abstinência sexual. Essa “irresponsabilidade” da gestante é suposta em termos como “contraceptivos”, “escolheu”, “consequências”, “abrir”, “fechar” ou “pernas”.

À direita, o cluster verde claro debate a matéria jurídica e o próprio fato da votação e, na parte inferior, os clusters rosa escuro, cinza e verde água apresentam termos, respectivamente, sobre criminalização, avaliação social e percepção de cidadania.

Apesar de o voto da ministra Rosa Weber ter sido pela descriminalização do aborto, a polarização política e a prática religiosa tornam este um tema sensível no Brasil. Mesmo nos casos em que a interrupção da gravidez já é permitida pela legislação brasileira, muitas vezes as gestantes encontram obstáculos para ter esse direito cumprido, como mostra o caso da menina de dez anos que precisou entrar nas dependências do hospital escondida no porta malas de um carro para evitar o grupo de manifestantes que a chamava de assassina por realizar um aborto mesmo sendo vítima de pedofilia e correndo risco de vida em razão de seu corpo ainda não adulto; Ou o caso da menina de onze anos que, ao solicitar um aborto após ser vítima de estupro, ouviu da juíza a frase “Você suportaria ficar mais um pouquinho?”

Rosa Weber foi a terceira mulher na história a ocupar o cargo de ministra do STF. Em 2 de Outubro próximo ela será aposentada, e seu voto veio num momento de amplo debate sobre a necessidade de presença feminina na maior corte do país.

Num momento em que toda conversa sobre próximo nome para o STF passa pela importância de ter mulheres em posição de tomar decisões, a ministra não poderia ter fornecido uma ilustração mais clara da argumentação dos que defendem a representatividade.

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